17 dezembro, 2012

O Tamanco


Como a maioria das pessoas fazem no final do ano, nós do Caap também fizemos: saímos para jantar. Cheguei a casa correndo tomei banho, peguei uma blusa emprestada da minha filha, coloquei uma calça jeans, que é comprida demais e não fica bem com sapato baixo. Catei um tamanco que tenho há pelo menos 10 anos (sim, tudo isso!), mas é lindo, pois me deixa mais alta e, claro, isso favorece qualquer mulher. O incrível é que antes ele me machucava, mas agora não, pelo contrário, me dava uma sensação de leveza...

Como é bom estarmos entre amigos, ainda mais para comer, rir... E lá estavam minhas meninas: Marina, Simone e Ana Paula, e conosco estavam também meu marido, Miguel, o Altinho, digo Valtinho, Edilson e um amigo da Simone.

Do estacionamento para o salão do restaurante tem uma escada que subi tranquilamente com meu tamanco lindo.

Conversa vai, conversa vem, fomos nos servir no buffet e novamente meu caminhar foi tranquilo, leve, tipo assim "Gisele Bündchen".

Logo depois de comermos chamei as meninas para irmos ao toalete e a Ana Paula, com aquele par de "zóios" que tem, disse calmamente:

 Dri, seu tamanco está descascando!

Quando abaixei os olhos vi aquilo. Meu Deus! Parecia que eu havia chutado todas as pedras do caminho de uma vida inteira. Medonhamente meu tamanco estava se desfazendo. Parecia que eu andava e eles afundavam (essa era a leveza que eu antes sentia). Saiam lasquinhas pelo chão.

Pedi para uma amiga ficar na minha frente e a outra atrás, como se isso escondessem os meus pés. Sabe aquela sensação que todo mundo ali olhava para mim, ou pior, para os tamancos? Eu, logo eu, que prezo os sapatos. Como pode acontecer isso?

 

Não preciso dizer quanto minhas amigas riram. Mas eu que não sou de entregar as chuteiras, digo os tamancos, aproveitei o resto da noite.

Um brinde aos amigos e aos sapatos!





06 dezembro, 2012

Corrente Literária: Saudade

Corrente Literária: Saudade

 

O que faço com essa ausência, com a falta de você?

Onde escondo minha dor?

 

Espio pela janela o jardim sendo tomado pelo mato e te vejo ali, fincado como planta sem vida aparente, mas com raízes profundas na terra, raízes profundas em mim. O soluço trava minhas palavras, apenas meus pensamentos falam. Falam coisas que não falamos, coisas que a vida nos deu tempo para ser e esquecemo-nos de dizer, esquecemos que a vida a qualquer hora pode ser substituída pela não vida. Por mais que eu tenha feito; dito, te amei pouco, fiz muito pouco tamanho o seu merecimento. Hoje me pergunto: por quê?  Não tenho contrição, mas tenho falta dos momentos em que sua palavra me apoiava, me repreendia, me alavancava, alcançava...

 

Muitas vezes em momentos decisivos, procuro pensar como você pensava e como agiria e isso me causa um suplício maior que eu, simplesmente porque não penso como ti, não com a sua sabedoria, com o seu jeito santo de olhar e ver, falar e sentir. Muitas vezes procuro no outro um pouco da sua aparência, mas nada se compara com sua beleza, nada e ninguém chegam naquilo que você foi, meu pai.

Sinto em minha boca um gosto rascante e um aperto no peito quando me lembro de que a cabeceira da mesa de jantar está vazia. Penso que voltar pra casa, nossa casa, é sentir que ela é muito maior sem você e muito pequena sem nós.

Saudade é a pessoa ficando mais longe e a dor ficando mais perto.




01 novembro, 2012

Corrente literária: O que a noite nos reserva? - Solidão -



 

 

Quando você se foi e me deixou a pé na estrada empoeirada, o sol já se punha na baixada da montanha e a lua sorridente mostrava que estava pronta para se apresentar, embora fosca, mas grande, muito maior que eu, muito mais dona da situação. Fiquei com a mudança das nuances.

Pensei o que fazer quando não há o que fazer, somente observar o quão forte a noite me faz. Desatei meu riso cínico com os cabelos tão soltos quanto eu. Conforme a noite ia se instalando, minha sombra ia aumentando, parecendo prússica de tão ácida, a única semelhança era a imensidão do silêncio.

Ninguém aparecia, ninguém me via; vaguei feito assombração. Cansei, parei em uma curva, lamentei por não existir contramão.  Não existiam marcas de ir e vir, nenhuma sugestão. Ainda assim, à noite na minha companhia, tão minha, tão eu, parecíamos únicos. Desde então, à noite me reserva solidão.  Uma solidão a dois, eu e ela, numa cumplicidade calada, mas falada no meu ínfimo. 

Vi-me como sou, sem retentiva, mas tão acessível ao meu próprio coração, com uma certeza que posso passar o dia esquecendo que você não me espera, mas a noite será minha insólita ilusão, talvez porque eu queira ser a sua espera, talvez porque à noite abafo meu grito ou derramo as cores de fúcsias.

 

Minha esperança é que a noite nos reserve o mesmo pensamento:

Que você pense em nós.


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22 outubro, 2012

O que vale a pena ser - Corrente Literária


 

 

                  Acordo sempre em cima da hora e lá começa a correria, a rotina. Quase sempre é a mesma ordem, a mesma sensação de fazer, fazer... E aquele vazio de falta tempo, falta energia. 

Dia outro, outro dia e os acontecimentos se acumulam nas impressões que dei ou me deram. Talvez haja sobras, talvez haja falta, mas que sempre haja a mesma sentença: o que vale ser é ser o que se é. Ora otimista, conquistador, verdadeiro, guerreiro, crente... Ora pessimista, inconquistável, falso, fraco, descrente. Onde é necessários tirar de dentro um exército de muitos ‘eus’ para prosseguir na usança vida. Usar o lado afame de ganhar o contento do tempo e com esse mesmo tempo se aprende a conviver.

 

                Uso caras, uso bocas, uso alma, uso corpo. Uso e abuso do que posso, sem medir, nem invadir o espaço alheio. Recomeço sabendo que vez ou outra o mundo vira de ponta cabeça, cai-se o juízo, a certeza.

 Adormeço, esqueço e acordo em cima da hora... E faço dessa rotina o hábito bom de viver, porque mesmo sendo repetição tiro a graça do sem graça; coloco cor no cinza, invento que sou melhor do que pareço e credito e acredito no modo de todo ser, ser. 

 

                  Dou à vida a chance de me surpreender com tudo que vale a pena. Mereço!


Foto divulgação internet

17 setembro, 2012

FOTOS: divulgação internet
Algumas pessoas dão grande importância ao primeiro amor, já eu dou ao último. O que não durou, não existiu, simples assim.
Falo tanto que, quando me calo, falo por dentro.
Somente Deus faria tamanho espetáculo.
Seu carinho me deixa mais leve e com isso me sinto gigante.
Pra você desenho uma noite com estrelas, para que o seu dia seja sempre iluminado...

14 setembro, 2012

Geladeira

Já ultrapassei os limites do que sempre acreditei,

fingindo que nunca me importei.

 

Contei até os minutos pra te ver,

mesmo querendo te esquecer.

 

Já listei os seus defeitos na porta da geladeira.

Já fiz de conta que sou a própria geladeira.

 

Beijei os seus beijos de olhos abertos,

escondendo meus medos incertos.

 

Já morri várias vezes de ciúmes.

Outras vezes criei vaga-lumes,

 

Pensando que assim brilharia em ti

e na verdade enganei a mim.

 

Mas o que fazer quando o coração  

é mais forte que a razão?

 

Ah! Um dia aprendo a inversão

e lhe trocarei...

 

Por uma nova geladeira.


Foto: divulgação internet

06 setembro, 2012

Amante - Contribuição para Corrente Literária -


Amante



Como flor que entorta e torta ofereci, prestei, dei...

 

Enroscada em teu corpo tão presente no meu.

Tão diferente do que imaginei.

Não quero sair de ti e ficando assim alagada, suada...

 

Ah! Quero viver, quero viver.

Ah! Eu que não sabia que sentia, que podia...

Ah! Que diferença faz fazer...

 

Fazer o amor acontecer e largada no teu jardim,

Faço-me flor, esperando o amor,

Esperando o teu mel escorrer.

 

Conduzo, induzo; faça-me flor, faça-me amor.
Você me tem como sou, sem inventar, sem tirar...

Somente sou.

 

Tal como agora, tal como sempre.

De braços dados com a promessa do momento,

Sem pensar no antes, no depois.

 

Sou o que você imagina.

Existo agora, nesse exato momento, e de tanto sentir,

Ficarei assim,

Sempre.

 

Sucessivamente é todo do presente, no tempo.

Não quero sair desse instante, quero lhe ser constante, bastante.

Quero ser sempre amante.


05 setembro, 2012

O tempo que carrego

O Tempo que carrego não é meu

E até pouco tempo tudo era feliz
De uma hora para outra o pouco
Ficou muito pouco ou louco
Sendo grande assim...

Feliz era o tempo até aqui
De uma hora pra outra hora
Parou na hora
Em que eu mais quis.

Na hora que mais senti
O sentimento esvaziou-se
Como abstrato nato
Fez-se dono de mim.

 

Mas, nem pense...

Não sou de desistir.


Foto: divulgação internet

01 setembro, 2012

Aproveite

  

Aproveite para colocar as flores de molho.

Para arrumar a casa, organizar coisas que estão espalhadas.

Aproveite para enfeitar os cabelos, pintar as unhas.

Aproveite para ler, escrever, sonhar.

Aproveite para cultivar a saudade e acrescentar mais amor, mais sentimento bom dentro de sua alma, dentro do seu coração.

Aproveite para ser sua maior companhia.

Aproveite para contar os dias e com eles diminuir o tempo.

Aproveite para observar as estrelas, a lua.

Aproveite para ver a beleza que existe dentro e fora de ti.

Aproveite para chorar a qualquer hora, lugar e saber que só os que amam não perdem tempo.

Aproveite do meu amor, que é todo seu.



Para Marina.


28 agosto, 2012

Medo de altura

                                                    Medo de altura e pavor de macarrão
     


            Lembro-me de quando eu tinha quatro anos, juntamente com meu irmão gêmeo e mais dois irmãos mais novos (sim, éramos uma “escadinha”). Nossos pais estavam com dificuldades financeiras. Minha mãe, que nunca fugiu à luta, começou a trabalhar fora, e nos deixou com uma moça chamada Generosa (é incrível como me lembro da fisionomia dela, principalmente dos olhos).  Assim, ficou acertado que a prioridade era o nosso cuidado, em especial com nossa alimentação, e, se desse tempo, ela faria o resto do serviço em casa.

Meus pais saíam de casa às sete e trinta; o mesmo horário que ela chegava, e, a partir daquele horário,  o alvoroço começava logo cedo com banhos, roupas limpas e também... Bom, e também ela tirava a mesa do café da manhã, colocando cada um de nós sentados em uma cadeira em cima da mesa, amarrados pela cintura para que não caíssemos. O único que ficava no berço era o meu irmão mais novo.

A princípio eu achava o “máximo”, não que eu soubesse o que significava esse tal máximo, mas como sempre fui uma mente devaneadora, ficava lá, amarrada, e assim prosseguiam os dias, as semanas.

Parece coisa de pesadelo, mas foi muito real e até bom nas primeiras horas, eu e meus irmãos brincávamos de ônibus, trenzinho, avião, passarinho. Usávamos a imaginação, mas a criatividade cessou.  Enquanto isso, ela trabalhava na limpeza, realizada todos os dias. De vez em quando, ela perguntava quem queria ir ao banheiro e, como era de se esperar, passei a querer ir toda a hora.

Na hora do almoço ela preparava, quase sempre, macarrão, que era servido em copos, um para cada um. Claro que podíamos repetir, e então fazíamos com gosto pela falta de não ter o que fazer. Quando se aproximava o horário de minha mãe chegar ela nos tirava das alturas e nos dava pirulitos. Essa era a melhor hora do dia. Minha mãe chegava e encontrava tudo impecavelmente limpo, organizado. O que muito agradava mamãe.

Os dias foram passando e fomos cansando, algumas vezes chorávamos, noutras até dormíamos ali mesmo, feitos “bichos em árvores”. Como sempre a comida, digo o macarrão, era servido em copos, tipo requeijão.

Depois que terminávamos o “maravilhoso almoço”, ela nos servia “Q-suco”, doce demais, no mesmo copo para não sujar outro. 

Uma vez fiz greve de fome, sem saber o que era greve, mas fiz por estar enjoada daquele macarrão esbranquiçado. É claro que eu e meus irmãos perdemos peso. Fazíamos um “campeonato” de quem chorava mais. Quase sempre dava empate.

A fraqueza que ficávamos dava a ela mais tempo para “faxinar”. Ficávamos ali, pendurados, entregues. Passei a ter medo de olhar para o chão, meu medo de cair era tanto que a noite eu tinha pesadelos horríveis.

Minha mãe começou a nos instigar, e em nossa linguagem de criança, dizíamos que não queríamos mais brincar no alto da cadeira.

Depois de um tempo, como de costume, quando ouvíamos o portão se abrindo com a chegada da Generosa (todos nós começávamos a chorar, eu me agarrava em mamãe pedindo para ela ficar em casa conosco, porque não queria mais ficar lá em cima, apontando para mesa). O Daniel, meu irmão polaquinho, ficava vermelho feito sangue. 

Mamãe nos abençoava e saia com ar de tristeza.  E assim, começava de novo a nossa desventura nos ares.

Hoje em dia, quando ouço a palavra generosa (que significa: pessoa capaz de deixar de lado os seus próprios interesses para ajudar outra pessoa) me dá um acesso de riso.

Em uma tarde quente com o cheiro forte de cera que ela havia passado no chão, acabamos dormindo e acordamos com o grito de mamãe, que chegou mais cedo.

Nunca vou me esquecer da bofetada que mamãe deu em Generosa. Foi um dia diferente, não sei de onde mamãe tirou tanta força, mas acabou amarrando a dita cuja na cadeira em cima da mesa e a polícia foi chamada.

O que ficou disso tudo? Medo, medo de altura e nojo de macarrão branco, além de uma baita anemia.

Bem! O tormento mudara, mas não acabara. Pois, passamos frequentar a creche. Era fila para tudo: ir ao banheiro; o horário do banho começava às 16 horas, numa fila interminável, quando finalmente chegava a minha vez, naquela banheira gigante com três meninas, numa água fria e suja (confesso que muitas vezes fiz xixi), não por vontade, mas por falta de controle daquela situação insana. 

Quanto à comida. Adivinha? Macarrão! Mas era variado, um dia com abobrinha, outro chuchu. Para beber: Q-Suco, mas não era tão doce.

21 agosto, 2012

Esquecendo


Esquecendo

 

O dia triste em que percebi sua ausência, não a ausência física, mas ausência do seu eu.

 

Fiz-me de observador crítico demais e imaginei estar imaginando coisas. Afinal você só tem sessenta e cinco anos, de muita saúde anatômica. Mero engano, mero desespero para quem sempre lhe teve o mais alto grau de admiração pela integridade e pela inteligência. Seu diagnóstico foi rápido, certeiro: Alzheimer.

Passamos a lhe cuidar como se cuida de uma criança pequena, tirando os perigos visíveis e esquecemo-nos dos invisíveis. Daqueles que uma alma não sabe o próprio nome, idade, cidade... E o deixamos ir, não porque queríamos essa partida, mas pela falta de como lhe trazer de volta para casa e para as coisas básicas.

O seu básico passou a ser: olhar vazio; tarefas feitas pela metade, como passar manteiga na maçã, abrir e não fechar a torneira, vestir casaco de lã em pleno verão, garfo para tomar sopa, livro de ponta cabeça e tantas outras coisas que não faria sentindo pra quem te viu pleno, ativo, vivo.

Passei a pesquisar, a querer entender e me deparei com o nada, não há o que fazer para lhe trazer para a realidade, para a verdade. E, de verdade, não sei o que é verdade, onde tudo parece ser uma mentira muito bem contada que você não mais me vê, não mais me entende. Eu queria me forçar a acreditar que era apenas uma fase ou um pesadelo longo e a lonjura se prolongou na mais simples ocupação dos dias.

De repente uma explosão de histórias contadas por ti, como se fosse acontecida a pouco e, no entanto, eu nem era nascido, parece que sua vida do passado se passava na TV de tão clara, no entanto, o agora é breu, neutro. E vejo que a lógica não escolhe o tempo certo, apenas se passa como se escondesse de alguma coisa, talvez seja como esquecer que a morte existe, talvez seja como querer voar e não ter asas, talvez seja não sentir ou sentir e não saber descrever. Talvez seja recomeçar de onde se foi realmente feliz. 

Vai entender o que essa perda de neurônios.

Se pelos menos eu pudesse ter percebido antes a forma insidiosa, em que você não se lembrava das chaves da porta, da hora do futebol, do dia do meu aniversário... Se eu tivesse prestado mais atenção nesses pequenos detalhes!

Tão triste como não perceber é saber que de nada adiantaria, pois o doutor me explicou que os emaranhados neurofibrilares aumentam como nuvens e nada podemos fazer.

Passei a usar emaranhados em quase tudo do meu dia a dia; emaranhados de trabalho, de contas, de medo, de impotência.

 Deu-me um click, já pensou se a causa desse mal é isso: um emaranhado de coisas não resolvidas e o resultado final são a perda de neurônios, perda de sentidos. Tá! Vaguei, viajei, mas o que pensar?! Se para ele passei a ser o jardineiro. Passei ser o capitão de um barco à deriva, onde os marujos pulam no mar com medo da tempestade. Passei ser estrangeiro no seu/meu país. Passei ser o pai do meu pai.

Um dia após o outro e nem mais o passado ele vê, agora inerte, mais isolado, mais longe. Não sei o que pensa, se é que pensa; não sei o que sente, se é que sente. Quanto a mim, penso que morrer é isso, ir esquecendo, esquecendo até fechar os olhos de vez.  

Mas do que mesmo estamos falando?




16 agosto, 2012

Por que tudo que é bom dura pouco?


Por que tudo que é bom dura pouco? Talvez para que quando aconteça, seja mais intenso, mais usado, mais cuidado. Coisas longas enjoam, engordam, cansam e ainda desmontam nossa capacidade de ir buscar, de fazer, de ansiar.

Sabe aquela veleidade de esperar o esperado ou a surpresa boa do momento menos inesperado? É isso, deixar-se provar do muito bom, do pouco e ter a certeza que teremos de novo, outra vez, sempre... Afinal, o melhor da "festa" é esperar por ela.

Certas esperas são como ser feliz antes dos acontecimentos e muito mais quando acontecem, mesmo que durem pouco, mas que se repitam muitas vezes, para que façam o pouco durar a vida inteira.

Sabe aquela sede intensa? Quando se bebe a água o corpo reconhece a saciedade, tão curta, mas tão prazerosa!



15 agosto, 2012

Estrelinha



Existem momentos eternos, que ficam em nós como se acabassem de acontecer. Em mim vários são. Um deles entre meu pai e eu:

 

– Pai quantas estrelas existem no céu?

– Muitas, muitas...

– Será que posso ter uma?

– Quantas, você, quiser!

– Pai, quando o senhor irá morrer?

– Quando chegar a hora!

– O senhor sabe quando será a sua hora?

– A qualquer hora! Por quê?

– Para eu não me esquecer de despedir e escolher uma estrelinha para você!

Meu pai:

– Todas as noites nos despedimos antes de dormir. E a morte é isso, um sono, um descansar de existir aqui! E como as estrelas eu estarei brilhando em você.

Fiquei um bom tempo pensando e torcendo para ele não se cansar logo. E quando aconteceu não pude me despedir. Penso todos os dias: ele dorme, dorme feliz e brilha em mim. Talvez seja por isso que amo tanto as estrelas.



11 agosto, 2012

Céu

                                                            

                                                                             Céu 


 

De vez em quando me sinto no céu ou ele

vem até aqui.

Quando o nosso amor descansa, os anjos

descem e faz todo o resto ser azul.

É assim, as estrelas fazem festa só para nos

ver sorrir.

De vez em quando quase morro de tanto

de ser feliz.

De vez em quando acredito que o céu vive

em mim.

Foto: Fernanda Mariani

31 julho, 2012

Odeio quando o horizonte fica atrás,

Nas minhas costas.

Viro o tempo todo querendo vislumbrar o infinito,

Que meus olhos pequenos jamais deixarão de buscar.

Que agonia não poder admirar.

Que agonia não mirar a vida fora de mim, fora dos meus olhos.

A beleza vai além do que posso ver,

Sei disso. 

Mas ainda assim quero ver...

Foto divulgação internet

Santidade...

Santidade
            

E chega o momento de dizer adeus sem nenhuma palavra.

As lágrimas descem pela minha face, chegando à minha boca, mais salgada que a água do mar, mistura-se com minha saliva e deixa um gosto cítrico dentro de mim. Penso em beber algo, talvez um café e pensando que o café era sua bebida preferida. Desisto de beber, desisto de querer mudar o momento estático da nossa despedida. Talvez seja somente minha, mas talvez você me veja de algum lugar. Gosto de pensar que Deus permite isso.

Nos momentos de praxe para o fechamento eterno, retorno lá no nosso começo de perguntas santas e respostas prontas de alguém que aos meus olhos, tudo sabia ou sabe. Tudo objeta de um jeito particular e com um humor que me encanta e me acompanha até aqui, nesse momento.

Se eu fosse forte o suficiente te pegaria no colo e sairia correndo como uma onça faminta que corre atrás da presa. Não posso, estou frágil, estou pensando em sua resposta para a pergunta que faço em pensamento: Por que você já vai? Tão cedo, tão logo? Meu adágio responde com descrição exata de um minuto transformado em uma vida inteira: A sua vida. Aquela que plantou árvores; pescou mais peixe que qualquer pescador profissional; contou histórias de pessoas reais e alegrias verdadeiras; que ajudou o próximo sem nunca deixar saber que era você era você o ajudador; que viajou para uma aventura crucial e ao mesmo tempo banal, banal para ti, crucial porque te levou daqui. Maldito acidente!

Mas como você sempre falava, a vida é breve e a morte não dorme e quem nos leva, aguenta o peso e acerta a hora, sem mais, sem menos. Enquanto aceso eu mesmo me carrego, ninguém sabe mais da gente do que a gente mesmo. É assim que se vive até o momento que alguém precisa nos carregar. O que te leva, não são as pernas, mas as mãos que sempre querem tocar o concreto.

O toque que damos é o que fica. Pensando, pensando cheguei à conclusão que mais uma vez você estava certo, agora que não são as suas pernas que te leva, mas as mãos dos amigos. Eles choram, estão todos tristes.

E o adeus que sua boca fechada me fala, sem nenhum som, sem nenhuma expressão me deu as melhores palavras que pude ouvir. Porém, minha maior angústia é saber que não fui nem a metade daquilo que você foi para mim. Pensando, pensando, sei o que você me diria: Seja feliz!

E como lhe dar adeus, sem morrer também?

Pensando, pensando me respondo: Aprenda a sorrir com a alma, essa seria a sua resposta. Então seco as lágrimas e sorrio sentindo dor, muita dor, mas você demonstraria por mim a mesma e viva imagem de um amor eterno, porque vivemos o mais próximo da santidade: pai e filho.

 




24 julho, 2012

Bicharada

Um dia a gente acorda e na verdade não quer acordar. Os olhos pesados, o corpo mais ainda, parece que dentro de nós mora um elefante.

Atravessamos o dia como quem atravessa o deserto, arrastando-se, nada e ninguém cruza o caminho, e se cruza não faz menção de melhorar, pelo contrário, parece que sabe que estamos fora de casa, fora de segurança. Ou talvez nossa curta paciência colabore com a certeza de que o dia não está pra peixe, não está para nada além do término enfadonho daquilo que não somos.

Não somos zoológicos, somos gente, às vezes carente, às vezes crente. Ainda que tudo seja esquecido, não podemos esquecer de que um elefante é grande demais para viver em nós. No mínimo um coelhinho, ou uma formiguinha.

Têm bichos-gente que nos atenta para os menores dos problemas e tudo que fazem é para perdermos a vontade de lutar, e nos transformam em pesados passantes.

Às vezes esquecemos que podemos até voar – isso quando sabemos o bicho que existe em nós pode ter asas e voar.








18 julho, 2012

Cidade...



Andei para as bandas de lá,
como banda de cidade pequena,
meu coração em compasso com
meu passo seguiu em marcha lenta.

Andei para as bandas de lá,
como se lá fosse lugar comum,
caminhando como quem conhece
bem a terra, e mesmo assim
encantada com os laços eternos.

Andei para as bandas de lá,
lugar distante e quieto demais,
Chorei sem pranto,

Chorei sangue.

Andei para as bandas de lá,
e as lápides grandes e pequenas, 
me mostravam que somos finitos:
a morte não distingue nenhum passo, 
e tanto faz a banda que passa,
A cidade em silêncio dorme e espera.




Foto divulgação internet

17 julho, 2012

Rachaduras





Senti uma dor em entrar em casa e não te encontrar. Vi a sua poltrona vazia; o cachorro com um olhar distante; as paredes com a tintura gasta e rachaduras mostrando o desgaste do tempo; os cômodos vagos sem sua presença física. Busquei em cada detalhe algo de você e nada tive. 

       Acordei com o vento chorando alto, como quem fala sem se deixar entender. Levantei-me, desfilei na rua deserta, sentei-me no murinho da escola em frente à nossa casa, aquele cantinho que você tanto gostava de ficar observando os passantes. Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali, me colocando em seu lugar, lembrando-me dos seus gestos, da sua postura.

Senti-me dono da rua, mas não dono da vida, sua vida que se foi e me deixou sozinho. Nada aqui é a mesma coisa sem você. Nada aqui faz sentindo quando todo sentido é o que mais me faz falta.

Percebi que a paz que reinava em casa, não mais existe. Cada um de nós parece carregar um mundo nas costas, de um peso anormal, não parecemos mais como aquela família feliz. Estamos como as paredes gastas; estamos alheios aos sofrimentos de cada um. Não existe linguagem, não existe um traço a seguir, apenas seguimos com nossas sacolas cheias de saudades e com a falha de não falar mais a mesma língua. São tantas as diferenças que adquirimos entre irmãos, filhos dos mesmos pais, mas que hoje, sem você na cabeceira da mesa, parecemos somente estranhos dividindo o mesmo pão.